Introdução
Num pais cuja cultura é, indubitavelmente, bastante devedora ao Catolicismo Romano, a compreensão do Protestantismo tornar-se-á mais clara se for feita uma comparação entre uma e outra das correntes cristãs. Assim, seguiremos o consabido principio pedagógico que estabelece a necessidade de, para chegar a adquirir um novo conhecimento, dever começar-se por conceitos já adquiridos.

Antes de falarmos das divergências existentes entre ambas as expressões da Fé Cristã, convém lembrar o que é mais importante: os seus pontos de concordância. Esses pontos podem resumir-se dizendo que católicos e protestantes aceitam os símbolos de Fé conhecidos por Credo de Niceia e Constantinopla (381 A.D.) e o Credo dos Apóstolos (também do século IV).

Alguns grupos protestantes nunca recitam qualquer Credo, mais por falta de hábito no uso de textos litúrgicos que por razões doutrinais. Mas as doutrinas nestes dois Credos enunciadas são de fundamento bíblico. Nem se põe nenhum problema aos evangélicos relativamente à expressão "creio na Igreja, una, santa, católica e apost6lica". A cultura mais elementar sabe que "católica" é a Igreja Universal, composta de todos os que professam a fé em Jesus Cristo, o Senhor. Assim, visto que aqueles dois credos encerram os princípios essenciais do Cristianismo, podemos dizer serem enormes os pontos de concordância entre o Catolicismo e o Protestantismo.

Duas expressões - uma realidade?

O Professor Franz J. Leenhardt, teólogo de Genebra, fazia recentemente esta análise: o Catolicismo e o Protestantismo são duas expressões da mesma realidade. Uma é expressão extrovertida e a outra a expressão introvertida. Leenhardt lembrava que o extrovertido vive dos olhos, do tocar, do apreender a realidade com os sentidos, e o introvertido vive dos ouvidos, da escuta, do apreender a realidade pela meditação. O Católico, extrovertido, precisa do ritual, do gesto, do movimento, da hierarquia, de tudo o que e exterior, incluindo as imagens, as aparições, enfim, o que cativa os olhos. O Protestante, introvertido, precisa da Palavra e nada mais. É uma análise sob muitos aspectos esclarecedora.

Temos pensado ao longo dos anos que o Catolicismo e o Protestantismo são a expressão dentro do Cristianismo de um fenómeno que se tem observado noutras religiões, especialmente na religião de que somos continuadores, a religião do Antigo Testamento. Referimo-nos ao fenómeno da tendência para o aparecimento dentro de uma religião de duas grandes correntes: a corrente sacerdotal e a corrente profética.

Em Israel os sacerdotes aparecem como os homens do culto, do ritual, que tendem ao conservadorismo, à defesa da tradição e a, na prática, substituírem a mensagem pelo seu invólucro, isto é, a substituírem a fé pela religião. Mas em Israel levantam-se uns homens, geralmente austeros, desmancha-prazeres, que interpelam os sacerdotes. Em nome de quê? Em nome da Palavra que lhes chega da parte de Deus. João Baptista é o último profeta, vestido com a maior sobriedade, comendo com a máxima frugalidade e anunciando uma palavra de julgamento da parte de Deus.

O Cristianismo tem elementos proféticos (Jesus começou por pregar e pregar exactamente uma mensagem parecida com a de João Baptista), mas tem também elementos sacerdotais (Jesus é apresentado no livro de Hebreus como o Sumo - Sacerdote que se apresentou a Si próprio como a vítima imaculada). Mas o facto que se pode observar na História é que a vertente sacerdotal, conservardora e hierárquica, tomou um grande, por vezes enorme, ascendente sobre a vertente profética. Esta, no entanto, nunca deixou de existir: os lolardos, os hussitas, os valdenses e em grande parte os primeiros franciscanos, foram expressões dessa vertente profética.

Cremos que se poderá reconhecer que na Igreja Católica-Romana e na Igreja Ortodoxa ficaram mais acentuados, e por vezes, hipervalorizados os elementos sacerdotais da Fé Cristã, e no Protestantismo, também com não raras sobrevalorizações, os elementos proféticos!

Não queremos resumir as diferenças a isto: o Catolicismo sendo a expressão sacerdotal do Cristianismo e o Protestantismo a sua expressão profética - mas cremos que não se pode negar a realidade destas duas correntes e da sua hegemonia num ou no outro ramo do Cristianismo. E no fundo encontramo-nos com o Professor Leenhardt, porque o sacerdote-tipo, católico-romano ou hindu ou de qualquer outra religião, é o homem da posse, do gesto, do exterior - é um extrovertido; e o profeta é o homem da escuta, do lugar ermo, da Palavra - introvertido.

O que mais escandaliza o protestante é o que ele considera ser a coisificação, a objectivação que o católico faz da Fé. E o que mais escandaliza o católico, parece, é o modo que ele considera demasiado pobre como o protestante adora, em templos despidos de ornamentos com um culto centrado na pregação, culto de liturgia pobre que mais se parece com uma conferência dirigida apenas à razão.

Vejamos, então, o que é que distingue o Catolicismo do Protestantismo.

O teólogo Karl Barth, protestante, disse que a diferença entre o Catolicismo e o Protestantismo era apenas a conjunção e. O Protestantismo diz: "Jesus Cristo"; o Catolicismo acrescenta: "e Maria". O Protestantismo afirma: "a Bíblia"; o Catolicismo junta: "e a Tradição". O Protestantismo declara: "a fé"; o Catolicismo diz: "e as obras".

Trata-se de uma caricatura, claro, mas, como todas as caricaturas, é bastante reveladora.

Pensamos que poderíamos apontar dez diferenças entre o Catolicismo e o Protestantismo, das quais três são fundamentais e sete secundárias e que são as seguintes:
Fonte de Revelação
Já citámos a palavra irónica de Karl Barth segundo o que para o Protestantismo a Revelação vem da Bíblia e o Catolicismo acrescenta: e pela Tradição.

A Reforma do século XVI fez-se sob este estribilho: Sola Scriptura, a Bíblia é a única e suficiente regra de fé e prática.

Quer dizer: segundo o ponto de vista da Reforma e dos seus herdeiros, seguir a Cristo implica submeter-se à vontade de Deus tal como ficou registada nas Sagradas Escrituras, do Antigo e Novo Testamento. O Protestantismo não pretende ser outra coisa senão o regresso à Bíblia. A interpelação que ele faz ao Catolicismo é o de ter doutrinas e práticas que não têm base escriturística e que, segundo o Protestantismo, não são, portanto, legitimamente cristãs. "Só é legitimo na vida cristã o que tiver apoio bíblico", diz uma corrente protestante. Outra, menos radical, fica por este princípio: "Só é legítimo na vida cristã o que não tem a oposição da Bíblia."

É verdade que há textos bíblicos de interpretação variável e por isso existe pluralidade de posições no Protestantismo, mas nenhuma doutrina e nenhuma Igreja pode reivindicar o carácter de cristã se não tiver como base textos da Escritura.

A Igreja Católica Romana, no entanto, afirma: Sendo certo que a Bíblia é a fonte de revelação por excelência, a Tradição é-o do mesmo modo.

A Tradição é a palavra dos Papas e dos Concílios Ecuménicos. O conteúdo da Bíblia, pela dificuldade de que se reveste a sua interpretação, segundo o Catolicismo, tem de ser completado e esclarecido pela luz que Deus dá à Igreja, através dos Papas, dos teólogos e dos Concílios. Na prática isto significa que é à Igreja que cabe a última palavra sobre a Escritura e é ela, portanto, que detém a autoridade.

A última palavra, a palavra segura a que o cristão deve submeter-se para viver sem erro nem confusão de espírito, é a palavra infalível da Igreja, pronunciada pelo seu Chefe Supremo, o Papa. O Papa é considerado infalível porque a Igreja é infalível. O conceito de infalibilidade já existia muitos séculos antes do I Concilio do Vaticano. Em 1870, a proclamação do dogma veio apenas precisar que essa infalibilidade da Igreja só podia ser expressa pelo Papa e apenas em casos especiais, ex-cathedra. Uma doutrina, um dogma, pronunciado ex-cathedra pelo Papa tem, segundo o Catolicismo, a mesma força que um texto da Escritura.

Mas a História do Cristianismo está aí para nos provar que o recurso a outro tipo de pretensa revelação que não à Bíblia, tem sido fonte de trágicos erros, desastrosa doutrina e muita perturbação. Só o Cristianismo da Bíblia, na sua simplicidade e pureza, tem provado ser capaz de trazer a libertação dos espíritos e o progresso das sociedades.A Igreja
Outra diferença muito importante entre o Catolicismo e o Protestantismo é a concepção que um e outro tem da Igreja.

Na Encíclica Mystici Corporis, de Pio XII, fala-se da Igreja como a "sociedade perfeita". Ela considera-se a continuação da encarnação de Cristo e identifica-se com o próprio Cristo. O Papa, "aquele que faz as vezes de Cristo na terra" (Enc. Mystici Corporis, §40), detém a infalibilidade de Cristo, que é também, a infalibilidade da Igreja.

Mas essa Igreja "sociedade perfeita" é aquela que tem como cabeça o Papa. Embora nos tempos mais recentes a Igreja de Roma reconheça a existência de outras Igrejas, ela continua a crer na indispensabilidade da união ao Papa e no decreto sobre a Constituição Dogmática sobre a Igreja, decretado no Vaticano II, afirma: "Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele ..." (1.8). E também: "Por conseguinte, não poderão salvar-se aqueles que se recusam a entrar ou a perseverar na Igreja Católica, sabendo que Deus a fundou por Jesus Cristo, como necessária à salvação." (2.14)

Mas qual a definição da Igreja? Eis como a define o Vaticano II: "É o organismo visível que Cristo constituiu e sustenta indefectivelmente sobre a terra, comunidade de fé, de esperança e de amor, por meio da qual comunica a todos a verdade e a graça. Contudo, sociedade dotada de órgãos hierárquicos e corpo místico de Cristo, assembleia visível e comunidade espiritual, Igreja terrena e Igreja já na posse dos bens celestes, não devem considerar-se coisas diversas, mas constituem uma realidade única e complexa em que se fundem dois elementos, o humano e o divino. Não é por isso, analogia inconsistente comparar a Igreja ao mistério da encarnação. Pois assim como a natureza assumida serve o verbo divino como órgão vivo de salvação, a Ele indissoluvelmente unida, de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para fazer progredir o Seu Corpo Místico." (op.cit. 1.8, Documentos Conciliares, União Gráfica, Lisboa 1965).

O Protestantismo rejeita esta concepção da Igreja, que vê como usurpadora dos direitos divinos. Para o Protestantismo a Igreja é o conjunto de todos os que crêem em Jesus Cristo e no Seu nome foram baptizados.

Nunca, desde o século XVI, nenhuma Igreja protestante se afirmou como única Igreja ou como necessária à salvação ou como sociedade perfeita.

Uma definição de Igreja vinda já do século XVII dá-a como "a comunidade eleita para a vida eterna que o Filho de Deus reúne ao seu redor, de entre o género humano; que Ele forma pelo Seu Espírito e Palavra numa unidade de fé verdadeira e que Ele protege e mantém" (Catecismo de Heidelberg, questão 54).

Nesta definição da Igreja não há qualquer referência à organização. Isto porque o Protestantismo vê a organização e os ministérios eclesiais como instrumentos para a realização da missão e para a edificação da Igreja, não sendo nem a organização nem os ministros condição de salvação ou "matéria de fé".

O Protestantismo nunca diria, como se diz abusando de uma palavra de Inácio de Antioquia: "Onde está o Bispo está a Igreja", mas diria: "Onde está a verdadeira fé, aí há novo nascimento, e onde há novo nascimento, aí está a Igreja".

Comparando as duas concepções de Igreja, a católico-romana e a protestante, poderia dizer-se que numa predomina uma visão clerical e na outra uma visão laica. Numa o acento é posto na autoridade e em quem a detém, e na outra no Povo de Deus e na Palavra que o dirige.
O Homem
A terceira importante diferença entre o Catolicismo e o Protestantismo reside na ideia que têm do homem.

A Igreja Católica Romana nunca se desfez completamente da influência de Pelágio. Opondo-se a Santo Agostinho, o monge bretão Pelágio no século V, defendeu que o pecado original não tinha afectado senão Adão e Eva e que todos os homens depois deles só são responsáveis pelos seus próprios pecados e através de uma vida disciplinada podem agradar a Deus. A Igreja veio a condenar Pelágio, mas acabou por adoptar posições semi-pelagianas. Veja-se, por exemplo, esta proposição do Concílio de Trento: "Se alguém pretende que depois do pecado de Adão o livre arbítrio do homem foi destruído, que não é mais do que uma palavra, ou mesmo uma palavra sem realidade por detrás, ou ainda uma invenção introduzido por Satanás na Igreja, seja anátema." (Sessão IV, Can.5.)

A Igreja Católica Romana crê que a queda do homem afectou a imagem de Deus (imago Dei) nele existente mas não o tornou incapaz de manter uma acção importante. O homem tem dons naturais (razão, possibilidade de adquirir um conhecimento de Deus, do bem, de livre-arbítrio), e tem dons sobrenaturais - e estes sim, foram perdidos na queda, só pela graça podendo ser restaurados.

Isto explica porque o Catolicismo é mais positivo em relação a outras religiões e ao ateísmo, pois crê que em todo o lado pode haver alguma centelha, por pequena que for, da verdade divina.

O Protestantismo tem a posição de Santo Agostinho, ore que o homem se encontra numa situação de total degradação. Não é difícil ao leitor da Bíblia reconhecer que a posição, afinal, não é de Santo Agostinho mas é a de toda a Bíblia. A antropologia bíblica é extremamente negativa e pode ser resumida nesta palavra: "Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." (Rom.3:23)

Para o Protestantismo o homem só pode conhecer de Deus aquilo que o próprio Deus de Si disser. A razão humana é incapaz por si só de chegar a Deus - no que o Protestantismo foi, aliás, precedido em muitos séculos por Tertuliano, o apologista do século II. À chamada teologia natural, defendida pelo Catolicismo, o Protestantismo responde com um firme "não". (A theologia naturalis é o conjunto de conhecimentos que pretensamente se obtém acerca de Deus através da razão humana, sem a ajuda da revelação bíblica. Foi firmemente rejeitada pelos Reformadores do século XVI. Trata-se de um ramo da Filosofia e assim foi tratada pelos escolásticos.)

O Protestantismo não desconfia da razão apenas lhe nega a possibilidade de, sem a revelação das Escrituras, encontrar o caminho da salvação. Trata-se, no fundo, de preservar a soberania total de Deus e de aceitar esta palavra de Cristo: "Ninguém vem ao Pai senão por mim" (João 14, 6). Uma das provas de que o Protestantismo não despreza a razão está na contribuição cultural que os países de influência protestante têm dado.

Vejamos agora sete outras diferenças, profundamente relacionadas com as três que acabámos de referir.
Maria, Mãe de Jesus
Em 8 de Dezembro de 1854, o Papa Pio IX proclamou solenemente o famoso dogma da Imaculada Conceição de Maria, que reconhece como doutrina revelada da Igreja Católica Romana que a Bem-aventurada Mãe de Jesus foi, desde o primeiro momento da sua concepção, preservada de toda a mancha do pecado original.

Quase um século depois, um outro Papa, Pio XII, em 1 de Novembro de 1950, proclamou novo dogma mariano, o da Assunção de Maria. Segundo este dogma, a Bem-aventurada Maria teria sido assunta aos céus, em corpo e em espírito, beneficiando de um privilégio especial para que o seu corpo não sofresse a corrupção da morte.

O segundo dogma é consequência do primeiro: Se a Igreja Católica Romana crê que, por uma graça e um privilégio especiais, Maria ficou isenta do pecado original, era natural esperar que ela participasse também de um modo particular da atenção de Deus quando terminada a sua carreira terrestre.

É bem conhecido o lugar importantíssimo que Maria ocupa na piedade católico-romana e na sua teologia. Uma encíclica de há poucos anos dizia: "Exaltada por graça do Senhor e colocada, logo a seguir a seu Filho, acima de todos os anjos e homens, Maria que, como mãe santíssima de Deus tomou parte nos mistérios de Cristo, é com razão venerada pela Igreja com culto especial." (Lumen Gentium, 66). Ilustração do lugar que Maria ocupa na Igreja Católica Romana é o pontificado de João Paulo II, que escolheu como lema a expressão Totus tuus, inteiramente teu, referido, deduz-se, a Maria, a quem é muito devotado.

Tão diferente é a atitude protestante em relação à mãe de Jesus que, se, por hipótese, alguém estivesse interessado em evitar a aproximação entre Roma e a Reforma, não poderia usar estratégia mais eficaz do que dar alento aos dogmas marianos. Se existir o perigo da "protestantização" da Igreja de Roma, de que falam os católicos mais conservadores, a melhor maneira de o combater será promover cada vez mais o culto de Maria, visto que o chamado perigo da "protestantização" da Igreja pode ser o crescente recurso no seio daquela Igreja ao principio protestante de referir a Bíblia como a única fonte de revelação. Ora, quando se promove o culto de Maria, dá-se um golpe discreto mas certeiro nesse principio, porque o culto de Maria está exclusivamente baseado na Tradição e não na Bíblia.

Mas não parece que o relançamento do culto de Maria tenha de ver com uma estratégia de defesa ou de ataque. Talvez o teólogo protestante italiano Giovanni Miegge tivesse razão quando, escrevendo por volta do ano da proclamação do Dogma da Assunção de Maria, atribuía o fenómeno do florescimento do marianismo nesses dias ao esforço que a Igreja Católica Romana fazia para recuperar as massas. "A pregação mariana presta-se particularmente a isso, com seu apelo a sentimentos simples e elementares. Maria, no seu carácter de mulher virgem e mãe, acumula em si as mais poderosas e universais emoções: a veneração submissa e nostálgica da criança sonolenta que há sempre em nós, desejosa de carinho e protecção; e também a atracção tanto mais violenta quanto mais sublimada e reprimida, a que o homem está sujeito na presença do eterno feminino." (A Virgem Maria, pág.13, São Paulo 1962)

Como já se disse, a devoção a Maria fundamenta-se na Tradição e não na Bíblia. Os que são conquistados para o culto de Maria são-no também para um maior apreço pela Tradição, que justifica esse culto, e acabam, por coerência, por aceitar também outras doutrinas e práticas que se apoiam mais na Tradição que na Escritura.

Mas impõe-se perguntar porque é que "as massas" sentem esta necessidade de se voltar para Maria? Porque é que surgiu na Igreja esta devoção mariana, devoção que, obviamente, não foi inventada por Pio IX nem por nenhum outro Papa, mas tem raízes fundas na história?

A resposta a estas questões poderá estar no carácter distante que a dogmática foi atribuindo a Deus e Jesus Cristo, e à natureza exageradamente nacionalista que o Cristianismo em muitos lugares assumiu. Deus aparece aos olhos do homem comum fundamentalmente como o Juiz, justo mas frio, e, por consequência, o crente experimenta a necessidade de uma mão protectora, feminina, na civilização violenta em que impera o macho, a mão da mãe, para aplacar a ira do Pai. Quando o Cristianismo perdeu o calor humano, o inconsciente colectivo inventou uma intermediária profundamente humana, misericordiosa, capaz de se comover, compreensiva e pronta a interceder sempre pelos pecadores.

O culto de Maria pode ser interpretado como uma advertência à Igreja, ou melhor, às Igrejas que esqueceram na sua pregação e ensino que o Deus revelado em Jesus Cristo é o Deus de misericórdia, pronto a perdoar ao arrependido, o Deus que se comove também, que busca o homem e o quer libertar (Lucas 19, 10). E deve, o culto de Maria, lembrar aos cristãos que o Cristianismo bíblico não se dirige apenas à razão, mas também ao sentimento, ao homem integral. O Protestantismo está certo quando denuncia o erro de prestar culto a Maria; mas não pode ficar satisfeito consigo próprio onde a sua pregação for de um moralismo (individual ou político-social) severo e frio e onde o culto não for uma festa. O êxito dos movimentos carismáticos no nosso tempo talvez tenha a mesma causa da aceitação do culto mariano, isto é, a frieza do ensino e da adoração de certos sectores do Cristianismo.

No Novo Testamento, Maria é proclamada como a "Bendita entre todas as mulheres" (Lucas 1, 28) por ter sido escolhida para ser mãe do Salvador, mas em nenhum lugar é revelado que lhe seja conferido uma situação de outro privilégio em relação aos seus irmãos e irmãs, nem ela, na sua humildade exemplar o esperava (Lucas 1, 48). Como se previsse o que se iria passar, a Escritura refere duas passagens que são claramente recusa do culto de Maria. A primeira é em João 2, 1-12, onde se narra o milagre da transformação da água em vinho. Quando Maria, talvez por ser íntima da casa, se apercebeu da falta de vinho na boda, disse-o a Jesus, e o Filho reagiu de um modo que os exegetas não sabem bem como interpretar ("Senhora, que tenho eu contigo?" ou "Que há entre mim e ti?"), mas que seguramente nada tem a ver com os poderes atribuídos a Maria. Mas mais importante é que nesse momento a Mãe de Jesus dá um conselho aos serventes cheio de consequências: "Fazei tudo quanto ele vos disser." (João 2, 5). Como todos os grandes crentes, Maria só pode indicar Cristo como Aquele que deve estar no centro da nossa fé e da nossa acção.

A outra passagem é em Lucas 11, 27-28. Jesus acabara de fazer um importante discurso e uma mulher, do meio da multidão, gritou: "Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que foste amamentados. Mas Jesus ripostou-lhe: "Antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática."
Os Santos
Pode dizer-se quase o mesmo dos Santos que se disse de Maria. O Protestantismo não nega a realidade histórica de que alguns cristãos se elevaram, pelo estilo da sua vida, acima do vulgar. Embora segundo as Escrituras todos os Cristãos sejam chamados "santos", isto é, santificados pelo sacrifício de Cristo, seria pouco importante se a Igreja reservasse este termo para designar aos que tivessem vivido de um modo mais próximo do ideal cristão. Os protestantes em geral não têm relutância em referir-se a São Jerónimo, Santo Agostinho, São Francisco de Assis, etc. Mas têm relutância em aceitar o ensino segundo o qual, como recompensa pela sua santidade, os Santos terão junto de Deus uma atenção especial que lhes permitirá interceder pelos homens que vivem sobre a terra.

O Protestantismo rejeita tais crenças que espelham, no fundo, uma mentalidade forjada numa sociedade cruel onde os pobres e os fracos precisam de protectores e de influência junto dos poderosos. Uma tal concepção da Fé Cristã parece-nos bastante singela e distanciada do espírito da Bíblia. O imenso amor de Deus e a sua condição de Omnipresente não nos permite duvidar que

Ele está sempre junto de cada homem e mulher, crente ou não, pronto a socorrê-lo.

Na Idade Média criou-se esta teoria: cada ser humano tem o dever de produzir um determinado número de obras piedosas para entrar no céu. Alguns cristãos (os Santos) excedem o número dessas obras. Jesus excedeu-o de uma forma extraordinária. Com todo esse excesso, formou-se um "Tesouro" que pode ser usado a favor daqueles cujas obras piedosas são insuficientes ou nulas. É, como se vê, uma espécie de "banco" onde alguns têm "saldo positivo" que pode ser usado a favor dos de "saldo negativo", na solidariedade da fé. Quem movimenta a conta é a Igreja. Dai o seu poder de vender indulgências.

Uma tal concepção não tem defesa bíblica. Nela, este tipo de contabilidade não tem sentido porque, à excepção de Jesus Cristo, Filho de Deus, ninguém tem "saldo positivo" diante de Deus. Ele ama-nos imerecidamente. Mas não há motivos para alarme: a nossa melhor obra é a fé (João 6, 29), e se, com fé, fizermos o que pudermos, devemos ficar tranquilos. O cristão deve orientar a sua vida para a perfeição (Mateus 5, 48) - e viver do perdão de Deus (Romanos 1, 17).

Quanto à prática da adoração de imagens, um tanto relacionada com tudo isto, o Protestantismo rejeita-a porque está expressamente proibida pela Bíblia. No capitulo 20 do livro de Êxodo, encontramos os Dez Mandamentos, entre os quais este que o Catolicismo nem sempre cita: "Tu não farás imagem de escultura ... nem te prostrarás diante delas" (v.4-5).

O Protestantismo não compreende como é que, estando este texto tão claramente expresso na Bíblia, a adoração de imagens está tão difundida na Igreja Católica Romana. (Ver também Levítico 26:1; Salmo 115 e muitos outros textos.) A distinção que o Catolicismo faz entre latria e dulia não nos parece mudar nada ao problema.
O Ministério
Por ministério entende-se o conjunto de pessoas separadas para o serviço da Igreja: pregação, adoração, diaconia, etc.

No Novo Testamento, além do ministério dos apóstolos, dos profetas, dos que tinham dons de cura, há muitas referências a bispos e diáconos uma e outra palavra de uso secular. Em algumas igrejas do Novo Testamento havia um bispo - presbítero que presidia ao colégio dos bispos -presbíteros. É o que se pode deduzir de 1 Timóteo 5, 17. No século segundo era já prática corrente a existência de um ministério tripartido: um bispo que preside, um colégio de presbíteros e, na escala mais baixa, o colégio dos diáconos.

É esta a concepção hierárquica do ministério que a Igreja Católica Romana mantém e a que deve, forçoso é reconhecê-lo, muito da eficácia da sua organização. A Igreja de Inglaterra preservou igualmente o ministério tripartido, mas o Protestantismo em geral defende a manutenção do modelo mais evidente do Novo Testamento, isto é, o ministério do presbítero - bispo e o do diácono. Algumas igrejas protestantes reservam o titulo de bispo para o presbítero que preside à administração de uma área ou de toda a Igreja, mas recusando a ideia de hierarquia.

Todavia, não é na existência ou não do ministério tripartido que Roma e a Reforma mais divergem. Na verdade, um estudo que desde 1975 está a ser feito, entre certos sectores do Protestantismo, mostra que Igrejas que até agora só aceitam o ministério do presbítero e do diácono estão a encarar bem a ideia da aceitação do episcopado, mantendo-se apenas a recusa geral da concepção hierárquica. O que o Protestantismo tem rejeitado com maior firmeza é a ideia de que o ministro da nova dispensação pode ser chamado "sacerdote". Opondo-se a Roma, o Protestantismo afirma que depois de Jesus Cristo não há mais necessidade de sacerdotes, homens que sirvam de intermediários entre Deus e os homens, porque todos os cristãos têm acesso directo a Deus, são "um povo de sacerdotes" (1 Pedro 1, 9). Desde Lutero, Zuinglio e Calvino, os cristãos evangélicos negam a ideia de que, pela ordenação, ao ministro seja conferido um poder e um "caracter indelével". Crêem sim, que pela imposição das mãos, a Igreja apenas reconhece no ordenado um dom que já possuía antes, e conferido pelo próprio Deus.

O ministério é para a Igreja Católica Romana indispensável, porque é o ministério que tem poder para celebrar o sacrifício da Missa e é ele quem está habilitado para perdoar os pecados dos penitentes. Para o Protestantismo, a graça de Deus não depende dos homens; por isso afirma que o ministério apenas é necessário. O ministro protestante assume-se principalmente como animador da comunidade e pregador da Palavra de Deus. Como os bispos e diáconos do Novo Testamento, pode constituir família, já que o casamento pode ser tão santo como o celibato.O Papado
O Catolicismo, como vimos no capitulo 2, considera o Papado como elemento indispensável na Igreja. Sendo o sucessor de Pedro que segundo uma interpretação oficial daquela Igreja, foi o Príncipe dos Apóstolos e aquele a quem Jesus deu o "poder das chaves", a Igreja de Pedro é a verdadeira Igreja e não pode subsistir sem Pedro, isto é, sem o Papa.

Para o Protestantismo, o texto de Mateus 16:18: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarás a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" - embora seja susceptível de várias interpretações, não pode ter uma interpretação contrária à mensagem de todo o Novo Testamento, isto é, a de que Jesus Cristo é a rocha sobre a qual é fundada a Igreja. Santo Agostinho no século V tinha já feito esta interpretação: "Sobre esta pedra que tu confessaste, eu construirei a minha Igreja." Porque a pedra era Cristo, diz Agostinho (Petra enim erat Christus), sobre cujo fundamento o próprio Pedro foi edificado.

De qualquer modo, mesmo que se admitisse ter sido a Pedro conferido a missão de ser o Chefe do Colégio Apostólico, faltaria provar que esse cargo era hereditário - e que o herdeiro fosse o Bispo da cidade de Roma onde a pesquisa histórica não mostrou que o Apóstolo tivesse estado. É verdade que existe a tradição, vinda da uma época anterior a Eusébio, o primeiro historiador da Igreja, que fala da presença de Pedro em Roma. Talvez tenha feito uma visita à capital do Império, mas não ficou ali certamente os 25 anos que a tradição refere nem ali teria morrido.

No livro de Actos dos Apóstolos é bem evidente que Pedro tem na Igreja de Jerusalém um poder igual ao de Tiago e João e nada ficou escrito que nos permita crer ter sido Pedro o primeiro de uma sucessão ininterrupta de papas.

Papa, termo carinhoso para pai, foi um titulo dado nos primeiros séculos a Bispos de várias cidades e que o costume manteve em Roma. O papado, tal como existe hoje, é o produto de um processo histórico e que o Protestantismo considera dispensável, a não ser que o Papa venha a ser considerado um Presidente de Igreja Universal, sem outro ministério senão o de servir de elo de ligação entre as Igrejas regionais.Os Sacramentos
Católicos e Protestantes crêem que os Sacramentos são "sinais visíveis da graça invisível", instituídos por Jesus Cristo.

Mas o Catolicismo crê serem sete os Sacramentos: Baptismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Ordem, Matrimónio e Extrema Unção. O Protestantismo, como aliás muitos teólogos e Concílios antes da Reforma, afirma que Jesus Cristo apenas instituiu, segundo as Escrituras, dois Sacramentos: o Baptismo e a Santa Ceia ou Eucaristia. Na verdade, os restantes cinco sacramentos referidos pela Igreja Católica Romana não têm fundamento bíblico. Foram introduzidos gradualmente na Igreja ao longo dos séculos com a preocupação de acompanhar toda a vida do homem, do berço à campa e, se algumas vezes ultrapassou largamente o número sete, acabou por se fixar neste número, de sabor simbólico, no Concilio de Florença, em 1439.

Para além da diferença de número, há que referir a diferença de concepção do próprio Sacramento. Para o Protestantismo Deus está presente no Sacramento mas está-o igualmente na Pregação. É por isso que já alguns teólogos protestantes sugeriram que se falasse de três Sacramentos: o Baptismo, a Ceia e a Pregação.

Por outro lado, se para o Catolicismo o Sacramento, quando ministrado por um autêntico ministro, isto é, dentro da cadeia da sucessão apostólica, actua por si mesmo (ex opere operato), para o Protestantismo o Sacramento não depende do ministro, mas de Deus, e a sua eficácia realiza-se sempre no respeito da liberdade humana, isto é, a sua eficácia requer a resposta da fé. O pão e o vinho da Comunhão são presença do Corpo e Sangue de Cristo não por causa da palavra do ministro na epiclese, mas por causa da fé do que os recebe.
As Obras
Este ponto, ao contrário do que alguns pensam, não é daqueles em que haja grande diferença entre católicos e protestantes. O realce que se deu ao problema da fé e das obras e que levou os Reformadores a usarem o outro grito de guerra que era a Sola gratia tem de ver com polémica histórica própria daquela época e não deve ser extrapolado.

O Catolicismo crê como o Protestantismo que o homem só se pode salvar pela graça - ainda que o Catolicismo acrescente que as obras colaboram na salvação - e o Protestantismo de modo algum rejeita qualquer valor às obras, ainda que delas diga que não salvam o homem.

O Catolicismo ensina que as boas obras têm mérito quando são feitas "em estado de graça e para honrar a Deus"; o Protestantismo afirma que as obras são o sinal da realidade e da verdade da fé. Há aqui uma diferença: o Protestantismo nunca diz que as obras tenham mérito no processo da salvação. Mas há uma convergência final, na preocupação de não dissociar a graça das obras.

Mas é verdade que no Catolicismo medieval e no Catolicismo popular do nosso tempo persiste a ideia de que o homem com missas, ofertas à Igreja, peregrinações a lugares considerados sagrados, pode conquistar o favor divino, independentemente da sua fé e do seu comportamento. É verdade que os teólogos da Igreja de Roma e a Hierarquia têm um ponto de vista diferente; mas o Protestantismo reprova o silencio da voz oficial da Igreja Católica Romana em face dessa adulteração que o Catolicismo popular faz da mensagem cristã. Pois trata-se, segundo a Escritura, de uma verdadeira adulteração da Fé bíblica. Na Bíblia ninguém se pode aproximar de Deus sem fé, isto é sem uma entrega filial e confiante, inteiramente dependente da graça divina (Efésios 2, 8-10). Quem se aproxima de Deus com fé, aproxima-se humilde e de coração convertido. E isso sim, é importante para Deus, segundo a Bíblia, e não os sacrifícios, as atitudes exteriores apenas.
O Purgatório
Segundo o Manual de Teologia Dogmática do Padre Bujanda, cuja versão portuguesa era ainda há poucos anos usada nos Seminários católicos, o "Purgatório é o lugar onde as almas dos justos expiam os seus pecados antes de entrar no Céu" (pág. 543). Como adversários desta doutrina, o mesmo manual indica: "Negaram a existência do Purgatório os protestantes antigos; os modernos admitem-no, mas negam a possibilidade de socorrer com boas obras as almas que lá se encontram."

Trata-se certamente de confusão do autor, pois não sabemos de nenhum ramo do Protestantismo moderno que se distinga de um "Protestantismo antigo" nessa matéria. É uma doutrina em que Catolicismo e Protestantismo desde o século XVI nada têm em comum, já que o Protestantismo caracteriza-se principalmente pela adopção do principio de que só deve ser reconhecida como doutrina cristã a que tiver a aprovação das Santas Escrituras - e esta é uma doutrina que não goza dessa condição.

Os documentos católico-romanos costumam citar em defesa da existência do Purgatório um texto do Segundo Livro de Macabeus 12, 42-46, mas este livro, como outros produzidos no período que designamos do Antigo Testamento e que não estão na Bíblia, não é um livro canónico, quer dizer, não foi reconhecido como inspirado pelo Espírito Santo e não tem, por isso, valor normativo para a Igreja, embora a sua leitura possa ser benéfica do ponto de vista devocional.

A ideia de um lugar ou estado intermediário entre o Céu e o Inferno, começou a surgir quando a espantosa e libertadora mensagem evangélica da justificação total e gratuita que Deus faz apenas por meio da fé tropeçou no complicado aparelho jurídico - eclesiástico que se foi formando. A ousadia da confiança em Deus deu lugar à convicção da necessidade de redimir depois desta vida as transgressões cometidas. A partir do século VI a ideia já era acarinhada no seio da Igreja, e desde então a Igreja ensinou que os fiéis podem com boas obras livrar das penas do Purgatório as almas que lá se encontram. Entre as "boas obras", as mais conhecidas do crente comum são as missas de sufrágio que os fiéis mandam rezar.

Os cristãos evangélicos não oram pelos seus mortos nem celebram cultos pelas almas. Porque os que morreram em Cristo são já bem-aventurados, di-lo a Escritura (Apocalipse 14, 13), e pelos que morreram sem fé nada também é legitimo fazer: nem sequer especular sobre o seu destino, porque só Deus é Juiz. Ao cristão deve bastar esta palavra jubilosa de Cristo: "Na verdade, na verdade vos digo que, quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida." (João 5, 24)

Não há que temer. A recusa da ideia do Purgatório e aceitação tranquila da promessa de Cristo, não é uma porta aberta à imoralidade, como já têm dito os que acham que todo o pecado precisa de ser punido. O cristão sabe disso. Mas sabe que Cristo recebeu em si a punição (Isaías, capítulo 53). Aceitar Cristo, aceitar o Seu perdão é a única maneira de ser purificado (1 João 1, 7). O maior dos pecadores que, sem ter tempo para mudar de vida, aceitasse ao morrer, com sinceridade, o perdão de Cristo, entraria, segundo as Escrituras, desde logo na bem-aventurança, sem passar por qualquer lugar intermédio (cf. Lucas 23, 39 - 43). Com total adequação se poderá dizer do amor de Jesus Cristo que "cobrirá uma multidão de pecados" (1 Pedro 4, 8).
Epílogo
É fácil perceber que, em vários aspectos, há hoje pensadores Católico-romanos que recusariam posições da sua Igreja. Quem lê um Louis Evely, um Juan Arias, um Gonçales Ruiz, um Hans Küng, como quem lê os autores católicos do livro Objecções ao Catolicismo Romano, terá que reconhecer que as divergências acima apontadas, não têm o apoio de todos.

Quererá isto dizer que a Igreja Católica está a protestantizar-se? Pensamos que o Protestantismo, porque procura ser fiel à Sagrada Escritura, acabou por demonstrar ao longo dos séculos a legitimidade das suas afirmações fundamentais. Quer dizer que graças ao facto de ter a Bíblia como ponto de referência, ele está muito actualizado. Quando o Catolicismo avança, avança no mesmo sentido que a Reforma apontou.

Com o II Concílio do Vaticano, convocado pelo Papa João XXIII, houve em muitos a esperança de que, finalmente, Catolicismo e Protestantismo iam deixar de ser antagonismos. "A Contra - Reforma acabou!" exclamou, afirma-se, o cardeal Bea, abraçando um teólogo protestante no encerramento daquele Concílio.

Mas, manda a verdade dizer, vinte anos depois do Vaticano II mantêm-se grandes barreiras entre o Catolicismo e o Protestantismo.